MEDO DE NÃO TER MEDO
Imagine como seria bom não ter medo de nada. Viver a vida tranquilamente,
sem qualquer tipo de temor … de bandidos, sequestradores, aranhas, cobras,
aviões ou seja lá o que for que meta medo em você.
Imaginou?
A princípio, parece um bom negócio. Mas não se deixe enganar: o medo é
absolutamente essencial à nossa sobrevivência! Imagine se você, que vive na
selva de pedra da cidade, não tivesse medo de um bandido armado que entrasse na
sua casa ou que te abordasse na rua. As chances de você fazer uma bobagem e
levar um tiro seriam muito maiores. Ou imagine se você entrasse numa selva de
verdade e saísse acariciando cobras e tigres por aí, achando tudo muito
bonitinho … as chances de levar uma picada, ou uma mordida, ou morrer
certamente seriam muito maiores.
Antes de continuar, é preciso fazer uma distinção entre bravura,
conhecimento e ausência de medo. Um índio da Amazônia não se assusta com uma
aranha ou uma cobra, mas isso não significa que ele não sinta medo. Ele
simplesmente conviveu o suficiente com esses animais para saber lidar com eles.
Ele sabe como eles se comportam, quais são venenosos ou não, quais são
agressivos ou não, etc. Ele sabe que uma tarântula no chão da floresta não vai
de repente pular na sua cara para tentar matá-lo, por exemplo. É só não
mexer com ela que tudo bem … Assim como um policial que enfrenta um bandido e
um bombeiro que entra num prédio em chamas também sente medo. A diferença é que
eles foram treinados para enfrentar esse tipo de situação, e por isso conseguem
controlar o medo instintivo que normalmente paralisaria outras pessoas numa
situação semelhante.)
Por que estou falando disso? Por causa de um estudo muito curioso
publicado na revista Current Biology. Nele, os cientistas relatam o caso de uma
paciente que teve as amígdalas totalmente destruídas por uma doença (não as
amígdalas da garganta, mas as do cérebro). As amígdalas cerebrais são
estruturas internas parecidas com ameixas que estão diretamente envolvidas na
geração das sensações de medo e atenção que nos permitem evitar situações de
perigo, sair correndo delas quando possível ou até enfrentá-las, quando
necessário. Issoocorre por meio da liberação de neurotransmissores no sistema
nervoso, que induzem a liberação de adrenalina na corrente sanguínea, ordenam o
coração a bater mais forte, aceleram a respiração, aumentam nosso estado de
alerta e várias outras reações fisiológicas que nos preparam para uma situação
imediata de “lutar ou correr”.
“A
amígdala está constantemente analisando todas as informações que passam pelo
nosso cérebro, vindas dos diferentes sensores (visão, audição, olfato, etc),
tentando identificar qualquer coisa que possa ameçar nossa sobrevivência”, explica o pesquisador Justin Feinstein, da Universidade de Iowa. “Quando detecta
algum perigo, ela comanda uma cascata de respostas fisiológicas que nos impelem
a manter distância do perigo, aumentando, assim, nossas chances de
sobrevivência.”
A paciente descrita no estudo é uma mulher de 44 anos, identificada pela
sigla SM. Ela sente felicidade, tristeza, preocupação, é inteligente, social,
dá risada quando vê alguma coisa engraçada … mas não sente medo. Pode enrolar
uma cobra no pescoço dela ou mostrar o filme mais aterrorizante de todos os
tempos que não adianta. Nada! Medo zero. De resto, tudo normal.
Os resultados não são exatamente uma novidade. Já faz tempo que os
cientistas conhecem a relação entre as amígdalas cerebrais e o medo, com base
principalmente em experimentos com animais. Mas confirmam de maneira
contundente em seres humanos que sem amígdalas, de fato, não há medo. E que
outras sensações, aparentemente, não são afetadas
O mais incrível, para mim, é imaginar (ou melhor, saber) que uma sensação
tão instintiva quanto o medo pode estar tão intimamente ligada a uma estrutura
física … uma peça de uma máquina sem a qual ela não funciona. Muitos dos nossos
medos mais básicos são realmente instintivos, no sentido de que nascemos com
eles embutidos no nosso cérebro. Crianças têm um medo natural de coisas rastejantes
e cheias de pernas, mesmo que nunca tenham sido picadas por uma delas, porque a
evolução nos adaptou para isso ao longo dos milhões e milhões de anos que
convivemos com animais peçonhentos na natureza. Está escrito no nosso DNA! E
certamente no DNA da senhora SM também. Ela tem o software do medo, mas
falta-lhe o hardware (as amígdalas) para fazê-lo funcionar. “É inacreditável
que ela ainda esteja viva”, diz o
pesquisador Feinstein.
Casos extremos como o dela são raros e ideais para a identificação de
funções relacionadas a estruturas específicas do cérebro. Afinal, não há como
induzir ou mesmo simular esse tipo de lesão em alguém só para fazer um estudo
científico.
Conhecer melhor a maneira como o cérebro processa o medo pode ser
útil para o tratamento de pacientes com stress pós-traumático, por exemplo.
Nesse caso, as pessoas são vítimas de um outro extremo, em que sentem um medo
incontrolável, induzido por algum evento traumático sério, tipo sequestro ou
situações de guerra (muito comum entre soldados). Mesmo estando em casa, longe
do campo de batalha, eles sentem um medo constante de que o inimigo está à
espreita, ou que uma bomba vai explodir … O medo é tão intenso que supera
completamente a razão.
Mais uma vez, fico me perguntando se somos nós que mandamos no cérebro ou
se é ele quem manda na gente. Se é que é possível separar uma coisa da outra.
Autor: Herton Escobar
Nenhum comentário:
Postar um comentário