ABANDONO GERA DEPENDÊNCIA
Creio que um dos sentimentos mais difíceis de serem
superados seja a dor do abandono, da rejeição, da perda, que para
muitas pessoas começa logo cedo. Não me refiro só ao abandono cujos pais
o deixaram desde o nascimento. Mesmo quem teve pai e mãe presente, pode
sentir-se abandonada, se sentir que sua mãe não a escutava, não ouvia.
Quando a criança não é aceita em sua realidade, ela
não vivencia a autenticidade de seus próprios sentimentos. Não é preciso que a
criança seja órfã para ter esses sentimentos, mas é claro que serão mais
intensos em quem realmente viveu ou vive a orfandade.
Quando o relacionamento primário fundamental foi
comprometido, não havendo um envolvimento total dos pais com os cuidados
básicos da criança, ela desenvolverá mecanismos inconscientes para contar
com seus próprios recursos. É quando o bebê experimenta o abandono
e passa desde muito cedo a agir como um ser independente, como se no fundo
soubesse que não pode contar com mais ninguém.
Diante desse abandono podemos encontrar três
complexos psicológicos principais. Entendemos por complexo uma determinada
situação psíquica de forte carga emocional, que muitos conhecem como “trauma”. Ou
seja, os complexos são portadores da energia afetiva. Esses três complexos são:
Profunda sensação de ausência pessoal de
valor:
O calor materno oferece à criança a sensação de
valor. Quando esse amor deixa de existir a pessoa se sente rejeitada, acha que
fez alguma coisa errada, e passa a duvidar da razão de sua própria existência,
como se houvesse um vazio e que nada o preenchesse. Sentimento que pode
perdurar durante anos ou uma vida inteira dentro de algumas pessoas e refletir
em todas as áreas de sua vida. A tão conhecida baixa autoestima. A sensação de
ter valor é essencial à saúde mental, pois quando se sente valiosa, a pessoa
cuidará de si mesma de todas as maneiras que forem necessárias.
Sensação de culpa:
Sensação de culpa:
Essa culpa não deve ser confundida com a culpa mais
consciente que a pessoa sente quando faz algo. É uma culpa mais profunda,
onde acaba por se culpar por não ser amado, aceito. Essa busca pela mãe, ou
pela fonte de carinho, amor, pode desencadear outros processos na vida da
pessoa. É como se sempre estivesse em busca dessa proteção. Sente que tem
uma dor que não pode ser aliviada, e assim, acaba por sentir pena de
si mesma, desenvolvendo muitas vezes a auto piedade. Espera, ainda, que os
outros também a vejam assim, sempre esperando que alguém venha salvá-la. Esse
quadro pode gerar relacionamentos de muita dependência. Como perdeu sua ligação
com a fonte de sustentação da vida, apega-se a toda pessoa que possa lhe
oferecer segurança. Alguns se apegam a qualquer objeto, pessoa ou forma de
comportamento que representa segurança, como sexo, dinheiro, comida, drogas,
entre outros.
Até o momento de perceber, o que muitas vezes pode
levar anos, que esse objeto não tem o mesmo significado e não irá efetivamente
suprir essa carência e esse vazio.
Pode também desenvolver muita dificuldade em lidar
com a solidão. Como não tem o bastante de si mesma, sente que tem valor apenas
quando está na presença de outra pessoa, como se fosse vital para sua
sobrevivência. Pode ainda desenvolver uma dependência mútua, criando um
verdadeiro elo simbiótico inconsciente, ou seja, o que muitos vivem
e conhecem como relação doentia, onde nenhum dos dois consegue deixar esse
vínculo, apesar do sofrimento instalado. Essa situação de excessiva dependência
entre duas pessoas cria uma situação psicológica improdutiva e,
conseqüentemente, não há troca, crescimento, mas sim muito sofrimento.
Torna-se uma situação difícil de ser rompida, pois há muito medo de ser deixado,
ficar só, evitando a todo custo, mais um abandono. Pode ainda
acontecer o contrário, a pessoa mesmo querendo manter a relação, abandona a outra
pessoa, para que ela mesma não seja abandonada. Essa situação de dependência
pode fazer com que a pessoa torne-se a criança-vítima, ou seja, procura
ser boazinha com o intuito de ser cuidada, gerando a necessidade de agradar e
a dificuldade de dizer não, buscando sempre e inconscientemente,
aprovação e reconhecimento. É preciso tornar consciente sua dependência e suas
eventuais consequências para que não fique repetindo situações de
abandono.
Profunda atração pela morte:
Para a criança, o abandono por parte dos pais é
equivalente à morte. Essa sensação é mais profunda em quem
realmente perdeu a mãe no momento do nascimento ou ainda quando era criança.
Mas também é sentida por quem não foi literalmente abandonado, mas
vivenciou esse medo, que pode ressurgir mais acentuadamente em momentos de
renascimento ou quando algum projeto está para ser iniciado, como em momentos
de mudança, pois todo caos que precede a cada novo nascimento acaba por gerar
um doloroso processo de recordação de sua experiência traumática inicial
do abandono, podendo facilmente sentir-se imobilizado frente ao desconhecido,
sem permitir-se crescer, transcender, resistindo às mudanças.
Pode existir em algumas pessoas a síndrome do
aniversário, onde revive nesse dia seu trauma de infância, o abandono, evitando
assim, qualquer tipo de comemoração. Para lidar com todos esses
aspectos o mais indicado é ter consciência de todo esse processo e
principalmente, dos sentimentos que surgem, falar sobre eles pode ajudar a
integrar conteúdos que estão no inconsciente ao consciente. É preciso aceitar
toda essa realidade e não negar seus sentimentos e carências, assim suas
necessidades poderão ser supridas de maneira equilibrada e consciente e não
através de relações doentias. Ao se permitir sentir a dor, a raiva,
mágoa, tristeza, poderá começar a amenizar sua dependência e assumir mais
responsabilidade por si mesma e por seus sentimentos. Quando esses presentes,
como carinho, afeto, demonstrações constantes de amor, a certeza de que não
será abandonada, não foram dados pelos pais, é possível obtê-los de outras
fontes, porém esse processo em geral, dura a vida inteira. Mas é
possível transformar toda a dor do abandono ao interagir com essa criança que
está dentro de você e que apenas espera por seu amor.
Por Rosemeire Zago, psicóloga.
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