EXPLICANDO
POLITICA PARA AS CRIANÇAS
Meninos, meninas, vou lhes contar como tudo
começou do jeito como me ensinaram. Há muitos milênios atrás ( um milênio são
mil anos! ), antes mesmo que a roda tivesse sido inventada, a vida era uma
pancadaria generalizada, pauladas, pedradas, furadas ( eram feitas com paus
pontudos; ainda não haviam descoberto um jeito de fazer flechas com pedras
lascadas), cada um por si, cada um contra todos. Um famoso pensador
chamado Hobbes disse que era um estado de “guerra de
todos contra todos”. Não havia leis. As leis servem para proibir
aquilo que não pode ser feito. Assim, cada um fazia o que queria. Roubar não
era crime porque não havia uma lei que dissesse “é proibido roubar”.
Matar não era crime porque não havia uma lei que dissesse ”é proibido
matar”. E não havia pessoas encarregadas de fazer cumprir a lei:
juízes, polícia. É para isso que a polícia existe: para impedir que a lei seja
quebrada e para proteger os cidadãos comuns. Quem tivesse o porrete maior era o
que mandava. Houve até um famoso presidente dos Estados Unidos que
explicou o seu jeito de governar: “Falar manso e ter um porrete grande
nas mãos…” Os jeitos primitivos continuam ainda em vigor.
É fácil entender.
Imaginem uma coisa doida: um jogo de futebol em que não haja regras e nem haja
um juiz que apite as faltas. Tudo é permitido. Tapas, murros, rasteiras,
xingamentos, levar a bola com a mão, mudar de time no meio do jogo. Ao final de
cada jogo o número de mortos e feridos é grande. Os amantes de futebol queriam
continuar a jogar futebol, mas sem medo da violência.
Eles se reuniram e
disseram: “Não é possível continuar assim. Vamos fazer regras para o
futebol. E vamos ter, no campo, um homem que faça com que as regras sejam
cumpridas.” E assim fizeram. E o futebol se transformou num jogo
civilizado ( às vezes…)
Pois os homens daqueles
tempos chegaram à mesma conclusão. Não valia a pena continuar a viver daquele
jeito. Eles se reuniram numa grande assembleia e chegaram a um acordo: “Só
há uma solução. É preciso que cada um deixe de fazer o que lhe dá na telha.
Precisamos leis. Mas, para ter leis, precisamos de um homem que faça as leis. E
não só isso: um homem que tenha o poder para punir todos aqueles que quebram a
lei”.
Os homens, assim, abriram
mão das suas pequenas vontades individuais para poderem viver uns com os outros
em paz. E para que houvesse um homem que fizesse as leis e punisse os
criminosos eles escolheram um que seria o seu Rei, ele e os seus descendentes.
O Rei teria que ser aquela pessoa que reinaria para a paz dos homens comuns, os
seus súditos. O Rei teria de ser uma pessoa que, ao mesmo tempo, combinasse
sabedoria e força. Sabedoria para fazer as coisas certas. E força para que
punisse os malfeitores. Em toda situação há sempre os malfeitores, aqueles que
quebram as leis. Também no futebol há os malfeitores. No futebol os malfeitores
são aqueles que quebram as regras, aqueles que, pensando que o juiz está
distraído, dão rasteiras e tentam fazer gols com a mão. Se o juiz ficar
desatento e não apitar as faltas a partida de futebol vira pancadaria.
Mas esses homens que
elegeram o Rei eram ruins em psicologia. É sempre assim: em período de eleição
todos os candidatos se apresentam como honestos, puros, pessoas que só desejam
o bem do povo. Mas o povo não conhece psicologia. Acredita naquilo que lhes é
dito. Não sabem que essas falas dos candidatos são como a isca no anzol do
pescador. O seu objetivo é apenas “fisgar” o voto do povo. E esses puros, uma
vez no poder, passam por horríveis transformações. Belos, transformam-se em
Feras. Aconteceu assim com os Reis, tão bonitos, tão honestos, antes de terem a
coroa na cabeça e a espada na mão. Mas uma vez no poder transformaram-se em
Tiranos. Tiranos são aqueles que, esquecidos do povo, impõem a sua vontade
sobre ele. Assim os Reis esqueceram-se do povo e passaram a pensar só neles
mesmos. Se eles eram aqueles que fazem as leis, e se eles eram aqueles que
tinham a espada na mão, não havia ninguém que os punisse. Eles cometiam suas
maldades protegidos pela impunidade. Tendo poder para fazer as leis, eles as
fizeram só em seu benefício, leis que obrigavam o povo a pagar impostos
pesados. Imposto é um dinheiro que o povo tem de pagar ao governo para
administrar o país. Tudo estaria bem se o dinheiro dos impostos fosse usado
para o bem do povo. Mas não foi isso que fizeram. Usaram o dinheiro do povo
para si mesmo.
Construíram palácios com
jardins, gramados e piscinas, deram banquetes, não só eles mas todos os membros
da corte que assim se locupletaram. Todos ficaram ricos. O povo ficou mais
pobre, mais sofrido. Aprendam isso: as pessoas mais cheias de boas intenções,
quando têm o poder e o dinheiro na mão, esquecem-se delas. Ficam deslumbradas
com o poder e passam a pensar só nelas mesmas. O poder e o dinheiro corrompem.
Foi assim durante muitos
séculos. Até que o povo perdeu as esperanças. Os reis, que haviam sido objetos
da sua admiração, tornaram-se objetos do seu desprezo. Seu perfume se
transformou em fedor. Não, os Reis jamais pensariam no bem do povo. Aí o povo
pensou: “Não fomos nós que escolhemos o Rei? Se ele está no trono é só
porque nós queremos! Ele não está no trono pela vontade dos deuses! Se fomos
nós os que o colocamos no trono, temos o direito de tirá-lo de lá”. O povo
então se enfureceu, saiu às ruas, pegou em armas, fez revoluções e tirou o Rei
do trono. Esse direito do povo, de tirar os Tiranos do poder, pela força, até
foi louvado pela mais humilde e a mais santa das mulheres, Maria, mãe de Jesus.
Cantando o amor de Deus ela disse que ele “derrubou dos seus tronos os
poderosos e exaltou os humildes.” ( Lucas 1:52).
Mas esse direito de tirar
os reis dos tronos transformou-se em crueldade. Na Revolução Francesa o rei e a
rainha foram guilhotinados. Na Rússia os revolucionários fuzilaram toda a
família real, inclusive as crianças.
Voltou-se então ao estado
original: não havia quem ditasse leis e as fizesse cumprir, para a paz do povo.
Havia o perigo de que se estabelecesse a condição primitiva de “guerra
de todos contra todos”. Há de haver quem faça as leis e garanta o seu
cumprimento. Mas o povo havia aprendido uma lição: poder por toda a vida, como
o que era dado aos reis, só produz tirania e corrupção. É muito perigoso dar
poder absoluto a uma pessoa só.
Por que o jogo de futebol
é possível? Jogadores, bola – tudo bem. Mas não basta. Há de haver regras.
E como se estabelecem regras? As pessoas interessadas se ajuntam e fazem um
“contrato”. “Contrato” é um documento que estabelece as regras, com o acordo de
todos. Esse contrato contém as regras do jogo que todos devem obedecer. Todas
as relações entre os seres humanos são reguladas por contratos. O casamento é
um contrato, a compra de uma casa é um contrato, a matricula de um aluno numa
escola se faz por meio de um contrato. Quando um povo inteiro quer estabelecer
as regras de sua convivência, esse contrato tem o nome de “Constituição”. O
Brasil tem uma “Constituição”.
O espaço chegou ao fim e
na próxima crônica vou falar sobre a “Democracia”que é o sistema de
governo em que quem faz as leis é o povo. Pelo menos, é assim que deveria ser.
Por Rubem Alves
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