SAUDADES DE DEUS
Tem coisa mais monótona do que discutir sobre a existência ou não de
Deus? Ninguém crê em Deus “por razões lógicas”. Isso é papo furado. Ninguém
“decide” ter fé.
Tentar provar que Deus existe porque ele seria “uma necessidade da razão”
me parece um engodo.
Primeiro porque a razão é risível em suas necessidades, como diria o
cético Michel de Montaigne (século 16). A pergunta pela origem de tudo que
existe (como numa espécie de aristotelismo aguado) não prova nada. Temos
inúmeras necessidades que não são auto-evidentes, por exemplo, que o bem deva
vencer ao final das coisas.
Muitas vezes o mal vence e pronto. Quase sempre. Por outro lado, é
interessante se pensar de onde veio a matéria que explodiu um dia e o lugar
onde ela explodiu.
Mas isso nada prova acerca do Deus ocidental. O princípio pode ser uma
mecânica estúpida.
Aliás, o chamado “argument from evil” (argumento a partir do mal) do
ateísmo é famoso. Autores grandes como Dostoiévski e Kafka, entre outros, já o freqüentaram
de forma brilhante.
O argumento basicamente é o seguinte: se Deus é bom, por que o mundo é
mau? Alguns já chegaram a supor que Deus seria mesmo mau, como o próprio Kafka.
Duas questões são importantes apontar nesse debate, uma com relação aos
crentes, outra aos ateus.
Primeiro os crentes. Uma falácia comum por parte dos crentes é supor que
seria impossível você ser uma pessoa razoavelmente moral sem alguma forma de
religião. A história prova que ateus e crentes dividem o mesmo lote de miséria
moral. Pouco importa ser ou não crente.
Pessoalmente, acho que o acaso decide: o temperamento (o acaso de você
ter nascido “assim ou assado”) é quase sempre o juiz do comportamento humano e
não “valores” religiosos ou éticos seculares (não religiosos).
Portanto, a tentativa de afirmar que, se você é ateu você necessariamente
não é “bom”, é pura falácia. Tampouco penso que uma religião faça falta para
todas as pessoas. Muita gente vive sem crise sem acreditar em coisa nenhuma “do
outro mundo”. Isso não significa que ela seja sempre feliz (tampouco os
religiosos o são), a (in) felicidade depende de inúmeros fatores.
E mais: “crer ou não crer” não é algo que você escolhe, “acontece”.
Grandes teólogos como Santo Agostinho, Lutero e Calvino diziam que a “fé é uma
graça” (simplificando a coisa), alguns receberam o dom e outros não (portanto,
ela “acontece”, como eu dizia acima, não é você quem escolhe ter ou não). Acho
essa idéia bem mais elegante do que esse papo furado acerca das necessidades
racionais, sociais, morais ou psíquicas da crença.
Quanto aos ateus, acho risível a idéia de que o ateísmo seja uma
“conquista” da razão ou de alguma forma de rigor moral ou “coragem
cosmológica”.
Nada disso, como já disse antes, e repito, até golfinhos conseguem ser
ateus em sua maravilhosa vida aquática. Fiquei ateu quando tinha oito anos.
O ateísmo me parece, entre todas as hipóteses sobre o universo, a mais
fácil, simples, rápida e quase “fast food theory” (teoria fast food).
Não precisamos nos esforçar muito para perceber que podemos talvez um dia
descobrir a causa “natural” do universo, ou acabarmos como espécie antes de
descobrir qualquer coisa. E “who cares” se sumirmos um dia?
E mais: é quase evidente que somos uma raça abandonada na face da Terra e
a indiferença dos elementos naturais para conosco (sejam eles externos ou
internos ao nosso corpo) salta aos olhos.
E mais: a possibilidade de estarmos sozinhos é sempre mais fácil do que
acompanhados por um ser maravilhoso, dono do universo e que sabe cada fio do
cabelo que você tem na cabeça.
Não há nenhuma evidencia definitiva de que Deus ou que qualquer outra
entidade divina exista. O ônus da prova é de quem crê. Além do fato de que os
japoneses, caras bem inteligentes, não crêem em Jesus na maioria das vezes.
Acho Deus uma hipótese acerca da origem das coisas mais elegante do que a dos golfinhos. Mas, por outro lado, a ideia de que um dia o pó tomou consciência de si mesmo e constatou sua dolorosa solidão cósmica é bela como uma ópera.
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